Matéria feita a partir de entrevistas cedidas por Marcio Graffiti, do Coletivo Anti Cinema; Écio Salles, ex-coordenador do AfroReggae; e Cléia Silveira, coordenadora do Saap.
“Boa
parte das melhores instituições, que a gente vê atuando aí, passaram em
algum momento pela formação da FASE”, declara o secretário adjunto de
cultura de Nova Iguaçu Écio Salles. Pesquisador da UFRJ – Universidade
Federal do Rio de Janeiro – e ex coordenador cultural do AfroReggae,
Écio acompanhou de perto a ascensão do grupo que se iniciou em 1993,
após a primeira publicação do “AfroReggae Notícias”, um jornal que
contextualizava o processo da cultura negra na época, cuja distribuição
era gratuita.
Atualmente, o AfroReggae possui
cinco núcleos – sendo um deles no bairro Nova Era, em Nova Iguaçu –,
mas principiou suas atividades em Vigário Geral. Num momento em que a
comunidade se encontrava abalada pela chacina ocorrida na madrugada do
dia 29 de agosto do mesmo ano, tirando a vida de 21 moradores, os
realizadores do informativo traziam à favela oficinas, promovendo
educação, arte e cultura. “A FASE foi determinante”, enfatiza Écio. De
fato, o apoio recebido pela Federação de Órgãos para Assistência Social
e Educacional(FASE), aliado à sabedoria dos organizadores do
AfroReggae, fez com que a recém criada ONG, que ainda dava pequenos e
marcantes passos, passasse a dar grandes saltos.
O suporte financeiro concedido garantiria a publicação de um certo número de edições do “AfroReggae Notícias”. Contrariando o provável, o grupo investiu todo o recurso numa festa: a Rasta Reggae Dance, que ficou bastante conhecida entre o circuito alternativo da época. A renda gerada pelo evento multiplicou o valor da verba inicial, aumentando consequentemente o número de edições do jornal.
O fato foi uma lição inclusive
para a FASE, que em 2011 completará 50 anos de existência. “O
AfroReggae, assim como a CUFA e o Observatório de Favelas, vêm de uma
geração que tem uma ação direta dentro das comunidades, já visando
modos inovadores de gestão e criação de ações, seja cultural ou
social”, justifica o pesquisador. Na fala de Écio, fica claro o
satisfatório alcance de um dos maiores objetivos da FASE: fortalecer a
organização da sociedade civil, democratizando o acesso a recursos
públicos, não necessariamente por meio da cultura. Para tanto, existem
duas linhas de apoio à pequenos projetos: uma de atendimento à demanda,
através do qual os projetos são recebidos e analisados; outra através
de editais direcionados, para os quais acontece o processo chamado
“nivelamento de informações para concorrer ao edital”. Esse segundo
sim, exclusivamente voltado para grupos relacionados com cultura.
“A gente convoca esses jovens,
explica o que é edital e nivela as informações, de forma que eles
concorram ao edital com o mesmo nível de informação”, explica Cleia
Silveira, coordenadora do SAAP, o Serviço de Análise e Assessoria a
Projetos – programa que há 25 anos atua como um desmembramento da FASE.
Em média, 400 projetos são recebidos por ano, dos quais cerca de 150
são apoiados. Em 2004, 600 projetos passaram pela análise. “A gente só
consegue trabalhar com esse volume porquê nós contamos com o apoio da
estrutura institucional como um todo”, conta a coordenadora, para quem
o termo “inter-relação” é essencial. “Por exemplo, quando a gente está
atuando em Pernambuco, nós estamos integrados com o Programa Regional
de Pernambuco, que fica na cidade de Recife. Quando nós estamos atuando
no Pará, nós estamos integrados com o Programa Regional da Amazônia,
que fica na cidade de Belém”, exemplifica.
“Quase todos os grupos que eu
investiguei tinham uma característica comum: eles não tinham recursos
no começo”, cita Écio Salles, sobre o cenário na década de 90.
“Começavam com uma ideia e muitas dificuldades. E, evidentemente, nunca
tinham escrito um projeto, nunca tinham captado recursos, então era
muito difícil. E a FASE entra nesse momento”.
Como um exemplo mais próximo, tanto pela contemporaneidade, quanto geograficamente, o Coletivo Anti Cinema mantém uma relação com a instituição desde 2006, quando foram contemplados, através de um edital, estruturando o grupo para a realização de oficinas e demais trabalhos, que pudessem promover a sustentabilidade do projeto. “A FASE nos ensinou muitas coisas e fez com que o Coletivo Anti Cinema pudesse articular parcerias, não só no estado do Rio de Janeiro, mas em localidades como Argentina, Chile, Paraguai, Ceará e Recife”, conta Marcio Graffiti, um dos coordenadores do Coletivo.
Cleia possui uma característica
reconhecida unanimemente pelos realizadores com quem faz contato, que a
faz criar vínculos comparados a de mãe e irmã. “Apesar de eu ser uma
senhora de 55 anos”, principia ela, bem-humorada, “Trabalho há muitos
anos com juventude e tenho uma facilidade muito grande de compreender e
de me relacionar com a ela, sem tabus, sem preconceito”, alega. Entre a
coordenação do SAAP e os grupos apoiados se estabelece uma relação que
não é hierárquica, mas sim de complementariedade e diálogo.
Após o resultado de um edital,
os projetos selecionados passam a ter um encontro mensal com Cleia e os
demais membros do SAAP, durante um ano. Neles, todos os grupos apoiados
são reunidos, com a intenção de se formarem inter-relações também entre
eles, discutindo os aspectos de cada formação ali representada. “A
Cleia sabe o que o jovem pensa e sabe como fazer com que ele seja
estimulado a criar novos horizontes”, afirma Marcio, completando
triunfalmente: “Pra mim, o Coletivo Anti Cinema é uma frente de batalha
e a Cleia, de certa forma, foi e é uma liderança para nós. É impossível
fazer revolução sozinho”.
Para Écio Salles, um outro
ponto importante de ser ressaltado, em se tratando do bom diálogo que a
FASE mantém por tantos anos, é o fato de que o trabalho realizado gera
uma formação política de maneira aberta. “A FASE é notoriamente uma ONG
de esquerda, mas o AfroReggae não é, muito pelo contrário, não tem a
necessidade de se expressar num campo ou no outro”, compara, “É muito
bacana que a FASE consiga dar informação às pessoas, mas que também dê
o direito de optar, não faça doutrinação”, elogia cautelosamente.
A
instituição é nacional, tendo escritórios – além do Rio de Janeiro –,
em estados como Pernambuco, Bahia, Espirito Santo e Pará. Embora tenha
tamanha experiência e conhecimento de casos desde a criação do SAAP, em
1985, Cleia faz um paralelo entre o trabalho da ONG e o atual momento
da cidade de Nova Iguaçu, em relação aos editais articulados ao
Bairro-Escola. “Do meu ponto de vista, Nova Iguaçu – como gestão
pública – está fazendo o que a gente fazia antes – como gestão privada
–, por entendermos exatamente assim: Para a democratização dos recursos
públicos, não basta abrir um edital e publicizá-lo. Significa também
ampliar o acesso à informação e à compreensão desse edital, porque
senão, não há concorrência justa, não há democracia”, assegura a
coordenadora.
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